a usura dos campos a usura daquele campo de tantos campos
um soluço de sangue na paisagem
paro escuto nas paredes brancas as hastes dos lutos dos arbustos
derramados sobre os muros
fujo e que adianta
já cantou uma avezita assanhamento
na lonjura do carro
tudo perdido e a rebater-se nos ouvidos
tudo tanto e menos quem fala aqui
estou só no lés a rés
o trilho velho do pastor da cabra só réstea de tanto sol
o cão vermelho assinalava parando a espaços um latido muito aquém dos nómadas
só sombra
um rapaz trouxe inocência na abertura do postigo da porta
mostrou uma faca nas mãos nuas desafiando dedos
e veio um grito fundo de dentro :
brinca com a caixa azul
a faca brinda-me os calos
brinca com a caixa
respira o búzio repousa no silêncio dos dias
há o mar
lembrava que havia o mar gritava
o grito não podia matar a surdez daquele casulo de mundo
sempre intenso cá fora na corrida do cão adiante da cabra e do velho
o velho parado a cabra andando farta de caminho
o velho de amplo assobio duas chamadas mansas tudo parado
dava voltas de pau inusitado aos arames presos no pneu
no baixio do descampado
depois seguia
seguia um trilho passado e via passado
aquém-nómada aquém- mar aquém- terra
além duas árvores rugindo no esplendor do vento
nas asas dos pardais sobressaltados de retorno e migracões de horas
retorno á noitinha vindo dormir o sono dos trigais
à criança doía-lhe a casa como esconderijo dos dias do tempo
e preso á faca e á caixa do búzio ia a um mar perto ao som longínquo
nas mãos da avó as fotografias comidas pela madeira
a postura de parede os encaixes na moldura
O povoamento do tempo
e a criança tinha os olhos comidos pelos dias feitos noites e crescia na faca uma impressão também de noite muito rente a muita morte a porta fechada e
á loucura da passagem do homem e da cabra
veio um sobressalto e abriu o postigo
sem que a avó lhe gritasse é do tempo
é da mentira do tempo tão conjunta á verdade que se vai unir ao mar
escuta o búzio e distrai-te
José Ribeiro Marto