21 novembro, 2008

AINDA NÃO ERA

ainda não era voo, rasgão a fogo azul de vento, mármore de chão,

verde na folhagem esparsa, fumo ardente, incisão de tábua ,

prego em brasa, olhar ausente,

era só fruto roxo do sono dos dias de parcas águas

ainda não era descanso de narceja marítima de sal e penas terreais,

ainda não era cinza de cobre vibrante, início de lume do tempo,

goma presa às mãos nos areais,

era só árvore dispersa orgulhosa de não se ver por entre as demais

eram anéis de fogo os frutos ainda vivos, por entre as hastes, na dispersa folhagem

só cantaram, dançaram esses frutos no vento, o sol sempre no seu brilho pendular

por entre as folhas e hastes na madurez estival,

onde esquecidas de onde em cada um, chorava seu pingo o mel adiantado,

o mel maduro, o leite ainda seguro do tronco vibrante e carnal

havia a loba atlântica do ar, a loba de seiva dava-se a uma boca absoluta,

os moscardos do longe convocados esgrimiam asas de ouro apartadas,

ainda eram os frutos de unidade ameaçada sob os soluços do mundo,

os riscos do sol , a brevidade das tardes, o mel do luto maduro

daquela árvore , forca ancestral, loba vadia maré dos impolutos

só, sem sombra de passagem de forasteiro ou de animal veloz ,

era só relâmpago, estilhaço de vidro frio e vermelho aquela árvore

longe do olhar , sagrada de se elevar do chão ao ar,

e de noite se contentar com o uivo dos cães que tremiam de luz

esperavam , desertavam de manhã ainda a uivar a loba do mel,

a dos frutos despedaçados como setas no negrume escondido

de um coração vibrátil, irrequieto e de lutos numa janela de água pouca,

era quase mundo num voo de estorninhos,

procurando lugar onde nada ameaçasse uma noite azul de luz

por entre árvores de porta e telhados feitos de rubi, ainda eram os cães

o som do mundo

e ao longe , era o silêncio entre as hastes frustes derrubadas na melancolia dos arbustos

era só um nome, um desastre fundado numa ilha , o sol pungente irradiava lonjura

no limbo crescente da cadela no areal , o cadela do meio-dia ,

o chão frugal de latidos, o chão prodígio

erguidos cachos de nuvens davam esperas,

pressentiam juízos,

era só uma figueira irmã separada dos trigos

que vivia só e dispersa, sabiam os frutos à mãe loba atlântica

a que dava leite verde , a que dava leite maduro a que conhecia as provações

dos frutos sozinhos soalheiros e enxutos



José Ribeiro Marto