07 dezembro, 2008

Os amigos.

Para todos os meus amigos.

Os amigos são pulmões de açúcar
ponto pérola de encanto
girassóis que nos acendem o sol
como interruptores de salvação

plantações africanas de algodão doce
que adormecem a paisagem das lágrimas

atravessam savanas devastadas
serpentinas de vento
desolação
na vaga recordação da cor que há
em cada sombra de tristeza.

É assim que tu és
entre todas as noites do planeta
a mais acesa quando as estrelas desenham
o caminho das palavras num avião de papel
branco como a farinha das pétalas
arrancadas a uma primavera
e com ele desenhas um búzio de som
que enfeitas no espaço com as mãos
onde me recolhes num abraço frágil
como a noite em que me encontro agora
mesmo quando é dia e o sol já se aclamou no horizonte.

Lembro-me de quando disseste o meu nome
como se pudesses acreditar
que eu era poeta
de palavras ideias e imagens
escondidas em cada folha de pele
atrás um mural de sorrisos inquietos
os deuses implacáveis prestavam-se a julgar-me
e tu salvaste-me com o olhar
e acreditaste no princípio do nome
na evocação das coisas proibidas
que eu partilhei como estilhaços de granada.

Lembro-me das tardes
em que esgrimimos as palavras do poema
e juntos tornamos menos só
a arte de dizer o crime com propriedade
sem medo incendiando a verdade.

Temos medo
das doenças dos amigos
como de fósforos na mão de uma criança
sem eles desistimos de acrescentar um rio
descaracterizamos todo o esqueleto
de imagens que são o nosso eu mais fundo

de aprender o que acontece
depois da nossa idade.

Deixamos de saber exactamento como acontecemos
sem palavras de infinito a ameaçar o puro inferno
dos dias que os pássaros transformam
no limiar da esperança.

Nesse lugar
voamos com os amigos
para dias que não queremos habitar
por um instante
onde quer que sejamos
não seremos tão sós
a subverter o infinito.

Graça Magalhães, Dezembro 2008
* Flores de Grevílea (Grevillea robusta) - foto de Augusto Mota