04 agosto, 2008

por ser mentira e verdade


sempre que passa na rua,
passa mais dentro que fora;
e em minha alma passa nua,
(ela sabe disso e cora);

que eu a dispo com os olhos,
sem que haja lubricidade –
deste modo eu vejo os outros,
(mas disso ela não sabe):

despidos até à alma,
(que é a pele verdadeira);
é assim que a vejo a ela,
mesmo que ela não queira.

e ao passar dentro de mim,
‘té fora de mim perfuma,
por isso cheira a jardim
meu quarto, perto da uma,

que é quando ela se aproxima,
mesmo que seja mais tarde,
por estritas razões de rima,
por ser mentira e verdade;

ao sonhar, quando adormeço,
nesse sonho revelado,
um corpo que desconheço
respira brando a meu lado;

meus dedos tocam-lhe a pele,
e sua alma desnuda
não tarda que se revele
na carne em que se transmuda.

e depois não acordamos,
(talvez nem haja depois),
para sempre aqui ficamos,
nestes versos, casa de ambos,
somos um e somos dois –

poema de António Simões, Junho de 2008 / fotos de Augusto Mota, Agosto de 2008

pimentinhos decorativos: Capsicum annuum, cultivar 'Tennessee Teardrops'