08 agosto, 2008

QUANDO É QUE O VENTO TE LEVANTA NO AR ?

foto de Pedro Carvalho / Ortigosa, Julho de 2008


O teu problema é ainda o peso -
Tolhe-te os passos, os voos;
Os braços de chumbo tombam
Para o chão; o penedo da voz,
Sempre que falas,
É duro como granito -
Tudo isso pesa, pesa demais,
Para ascenderes ao alto,
Lá onde as fibras subtis do vento
Tecem os tules, as ténues neblinas
Com que se enredoma a manhã.

Há ainda essas tuas pernas de basalto,
Esse coração pesado de tanta dor,
Os olhos onde as lágrimas
São de lava incandescente
Que te irrompe das entranhas -
Não sabes como irás sobreviver,
Mas talvez ajude a saber
Que aquela que te deixou para sempre,
Aquela cujas cinzas
Espalhaste para dentro da terra,
Está à tua espera numa curva do tempo,
Numa curva do sonho,
Para te levar consigo
Para o prometido regaço dos deuses.
Vá, senta-te à porta da tarde,
E deixa que o rumor das vozes crepusculares
Dos que regressam a casa famintos de ternura,
E os ruídos da terra,
E de todos os seres que se preparam
Para mergulhar na noite,
Te envolvam corpo e alma -
E aligeirando-te essa dor infinita,
Encontres no perfume
Das rosas que perto te inebriam,
O impulso decisivo para que ascendas no ar
E regresses ao amado coração de tua filha.


António Simões, inédito, 2002

foto original de Pedro Carvalho
manipulação cromática de Augusto Mota