03 janeiro, 2009

A PROPÓSITO DE POESIA INÚTIL

foto de Augusto Mota


Uma página de LABIRINTO LÓGICO
(a propósito de poesia inútil)


Na poesia tudo é permitido se o poeta se sabe, de verdade, integrado na sua época e tem para com o tempo a lucidez suficiente e necessária. Efectivamente, se não consegue ser temporal, não é actual, pois não interessa poesia intemporal de génios universais, mas sim poetas instrumentos de uma evolução mutável e localizada, que na localização compreendida como universalidade no campo do humano reside o verdadeiro génio.
Que um poeta morra com o seu tempo, mas que tenha contribuído para construir os alicerces sãos da sua época. Que maior utilidade na criação?
Escrever é fácil, tão fácil como beber, como amar ou como passear. Fácil, porque indispensável à vida completa, porque membro de um corpo que só se atinge sendo completamente lutador. E o poeta tem de ser lutador para ter interesse.
Vamos pois até à medula, destruamos, se necessário, os palácios mentais que nos precederam, mas, sobretudo, vivamos livres como a magnífica matemática das estrelas: da vida.
E não é difícil ser actual, simplesmente, esta posição implica mais do que o conhecimento imediato social e do que a vontade de ser actual. É indispensável saber-se modificar o meio até ele próprio estar de acordo com a realidade justa. O habitual não é óbice à evolução-revolução, pelo contrário, é instrumento que a favorece.
Assim, o poeta pode satisfazer ao «meio» poético, sem que por isso necessite de se ausentar (ainda que a diversão esteja na moda).
Não podemos pois aceitar a inutilidade na poesia, a não ser que sejamos inúteis.

António Augusto Menano
in página literária "Pinhal Novo" 7, «Região de Leiria», 19 de Julho, 1962