04 março, 2008

António Simões...








...nasceu em Beringel, Beja, a 29 de Novembro, 1934. Licenciou-se em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra. Escreve poemas desde os dez anos e neles fala de insectos, pedras, flores, tremuras de alma ou do vento e de outras coisas do seu abecedário de ternura. Um dia, inventou uma barca para navegar as infinitas searas do amado Alentejo de sua infância e vai por elas fora por uma fresta aberta num poema e sabe que um dia chegará às praias de luz onde nasce o dia.
Tem quatro livros de poesia publicados: Soneto de Água (1994), com introdução de Alberto Pimenta; A Festa das Letras (1995), com prefácio de Fernando J.B. Martinho; Minha Mãe Amassa o Pão (2001); e Amor é um Fogo que Arde sem se Ver e outros sonetos (Campo das Letras, Porto, 2004). Os dois primeiros são edições de autor; o terceiro foi editado pela Câmara Municipal de Beja.
É autor de uma Antologia de Poesia Anglo-Americana, (bilingue), Campo das Letras, Outubro, 2002.
Tem em preparação dois livros de poesia: Coração Visível e Poemas Circulares: Moradias e Navegações; o livro de contos: Um Caso Amuroso e outros Contos, e um livro de histórias para crianças: Os Quarentas Irmãos e outras Histórias.
Traduziu para a Campo das Letras, a partir do Inglês, livros de Andy Warhol e diversas histórias para crianças.

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TREZE MANEIRAS DE (NÃO) COLHER UMA ROSA*


I
Colocam-se as mãos à volta da rosa,
sem lhe tocar,
para lhe roubar a forma,
das pétalas ao pé.

II
Toca-se na rosa com a boca,
até nossos lábios serem pétalas.

III
Aspira-se-lhe
o perfume intensamente,
até substituir o sangue
em nossas veias por inteiro.

IV
Fecham-se os olhos,
e, como num sonho,
levamos a rosa para dentro
do nosso coração.

V
Embrulha-se a rosa no nosso olhar,
atada com os fios do vento.

VI
Atrai-se a rosa a um encontro,
num lugar secreto da nossa alma,
e não se deixa mais sair de lá.

VII
Olha-se a rosa fixamente,
e com o fio de aço do nosso olhar,
corta-se-lhe o pé.

VIII
Tira-se todo o jardim à volta da rosa,
para que ela venha até nós,
ferida de solidão.

IX
Captura-se-lhe a chama
quando a sua cor se confunde
com o poente ou o raiar da manhã.

X
Deixa-se que o crepitar da rosa
entre em nossa alma,
misturado com o sussurrar de uma seara.

XI
Faz-se-lhe uma embuscada
quando o vento da tarde
transporta o seu perfume
dum lado para o outro.

XII
Esperamos pacientemente
que se dilua no orvalho que a cobre toda,
e bebemo-la depois,
gota a gota.

XIII
Deixamos a rosa, livre, intacta,
para a podermos colher,
com a avidez dos nossos sentidos.

*o título é uma glosa do título do poema de Wallace Stevens, “Treze Maneiras de Olhar um Melro.”
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E ESSA NÃO DISSESTE


Falaste-me um dia da família,
Do nascer,
De como a árvore vive com suas folhas,
Da passagem do vento pela casa (as portas estão sempre abertas),
Trazendo e levando novas, vibrações, súbitas ternuras;
Falaste-me da folha caída, ninguém sabe como,
Sobre a peneira alva de farinha,
Um canto verde, imóvel,
Uma voz de seiva amanhecida que escorria de teus lábios entreabertos;
Falaste-me da grama de ansiedade,
Do peso tão leve e tão insuportável
Sobre a pele retesada, quase a rebentar, de tua alma;
Falaste-me do violino que tocava incessante dentro de ti
E do céu que acolhia, ávido, a harmonia de suas vibrações;
Falaste-me de tudo isso numa manhã povoada do canto dos pássaros,
Uma manhã nos campos de Louredo,
Farta e densa de cores e de sons,
Mas esqueceste que eu só entendo e aceito uma palavra,
E essa não disseste
E era amor.
O Contra Almirante do [ Riacho de Estremoz ] blogue Palácio das Varandas ( clique )