10 março, 2008

João Rasteiro


(Coimbra - Portugal, 1965). Poeta e ensaísta. É sócio da A. P. E., membro do Conselho Editorial da Revista Oficina de Poesia e da revista brasileira Confraria do Vento(versão impressa). Tem poemas publicados em várias Revistas e Antologias em Portugal, Brasil, Colômbia, Itália e Espanha e poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol, italiano e finlandês. Publicou os livros de poesia, A Respiração das Vértebras (2001), No Centro do Arco (2003) e Os Cílios Maternos (2005) e O Búzio de Istambul(2008). Obteve vários prémios, nomeadamente a Segnalazione di Merito no Concurso Internacionale de Poesia: Publio Virgilio Marone(Itália-2003) e o 1º prémio no Concurso de Poesia e Conto: Cinco Povos Cinco Nações, 2004. Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de la Frontera (Trilce Ediciones – Salamanca). Em 2007 participou nos VI Encontros Internacionais de Poetas, organizados pelo Grupo de Estudos Anglo -Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mantém o Blogue: http://www.nocentrodoarco.blogspot.com/
autor do blogue No Centro do Arco [clique]

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as-Shilb


Já te foi tão próxima essa morada de leões e de gazelas
junto à gafaria, a solidão das fronteiras
onde o sussurro do branco se corrói
exercitando-se horto no coração transmudo
das mulheres níveas e morenas.

Hoje sabes que o mistério da luz açoita os olhos
até que o canto de al-mutamid corra o interior das gusas
que alimentam tendões de colos cortados
batendo por dentro das bocas para ostentar a flor
mas nada te preencherá a cegueira
das fábulas na margem do arade
a taifa rebelde rasgando a intimidade dos deuses
pela insídia da cor da terra e dos espaços ermos.

Frutificarás então artéria sísmica
do amarelo envelhecido e que alumbra ancestral
em opulência de imprevisíveis astros
que irradiam um cheiro a tâmaras nocturnas
sob a sede guardada em casulos abertos nos lábios do sal
um espaço errático igual aos meandros da água
o sulco da pedra como um covil
em que o poeta acúleo tangia cordas de alaúde.

Quem guardará na cozedura sublime dos fornos
a cintilação das pequenas ruas na perfuração das muralhas
que se tornam uma mantilha de ouro sob os céus?
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Biografia


E tudo ocorre na melancolia
da sílaba, o casulo emergindo
nas talhas.
Inquieta sofre a gestação
no caule dos rebentos.
O gesto da carne
no linho que lambe a mutação.
Rota, sopro, sístole ou máscara
onde bardos fecundam a sazão
da ebriedade.
E entra nas vozes,
nos hortos, algures no inabitado
onde gravitam tâmaras.
Melífaga
ironia das fábulas, a palavra
mastiga a água adubada no sangue
do amor.
Pois ser bardo e sonhador
é devorar o fogo sagrado, o correr
das chuvas.
A alma desatando-se
sílaba que afeiçoa as matizes do
espanto cheio de luz.

Então nu, já poderei morrer
inteiro, as dores exactas, na alma desolada
dos anjos abstractos em seus remoinhos.