09 abril, 2008

acabado de chegar ao "poem'arte//nas margens da poesia"

intervalo
- inédito de Cristina Néry*

num intervalo de pele
degusto tendões que se mostram em rosto lilás.
se o odor da morte é um regador
e os pássaros azuis a geografia das orações
há uma trepadeira intacta a servir de giestas a um violino que uiva os lobos negros.
nas sedas dos túmulos que cintilam encontro um fôlego crú
e o equinócio dos sinos
porque quero a selva como o terreno iluminado de círios
e à cintura as sílabas como arestas
para que um tigre cego me encontre em caule.

já que afastei os ninhos
as tílias enceram-me um pulmão
e a toalha branca tem o banquete do Inverno
e suporta a lagoa das rãs durante a luz.

poderia imaginar a tecitura dourada de uma escama
se uma última pincelada num vidro embaciado
ou até o pulso ficar vermelho.

não preciso dos incêndios e das olheiras marinhas
mas dos pirilampos nos trevos
e de uma cela florida.
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*Assistente de investigação no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, membro integrante do Grupo Poético de Viseu "Sarau dos Danados"[clique], e poeta publicada quer em livro, quer na revista Oficina de Poesia