28 abril, 2008

No Rescaldo da Bienal // As Comunicações

Democratização da Poesia ou Banalização da Palavra?*

Peço desculpa por tudo aquilo que vou dizer, por tudo aquilo que vão ouvir. Encarem as minhas palavras como reflexo da juventude, da falta de experiência, da falta de amadurecimento. Tudo aquilo que vou dizer são clichés, frases feitas, ideias que não são minhas compostas por palavras que são de outros. Peço desculpa se não tratar a poesia e a palavra poética com delicadeza, mas como Homem que sou fui talhado à pedoa. Peço desculpa se não ouvirem aquilo que querem ouvir, mas com o tempo uma pessoa habitua-se.

Não acredito que exista uma democratização da poesia, nem tão pouco o desrespeito pela palavra poética. E não acredito por dois motivos.

Primeiro: a poesia sempre foi democrática. Foram os poetas que impuseram à poesia regras, como se tal fosse possível. Depois, vieram outros poetas e disseram que aquelas regras não serviam os propósitos da poesia. Desta maneira, nasceram as escolas, as tendências e tudo o resto que chegou até nós. A poesia viu-se enjaulada, reduzida a compêndios, a manuais, a regras de métrica e de rima, a versos soltos ou brancos, a sonetos, tercetos, oitavas, decassílabos. Digo que é democrática pela simples razão de estar ao alcance de todos. Há até quem diga que está em todo o lado menos nos livros de poesia. Eu concordo, embora não vá agora dar exemplos. A poesia não se encontra confinada a nada. A poesia é. Tudo é poesia. Haverá algo mais democrático que isto?

Segundo: não há desrespeito pela palavra poética pelo simples facto de não haver nem boa nem má poesia. Há apenas, e somente, poesia. Repito: a poesia é. O deve ser foi inventado pelos mesmos homens que referi anteriormente. Tudo aquilo que é existe por si só, não precisa de nada nem de ninguém para ser. Não concordo que à palavra poética seja necessário algo mais que a simples representação da realidade. A necessidade de um halo metafísico na palavra poética não é, quanto a mim, assim tão necessário. Às vezes é impedimento para o fruir da poesia. Charles Bukowski escreveu: «a mais velha ideia ainda em voga é/que se não consegues entender um poema é/quase certo que é/um bom poema.». Socorri-me destes versos do poeta norte-americano para exemplificar uma ideia que ainda hoje perdura entre nós. Tal ideia, muitas vezes, degenera em preconceito – algo que é muito feio em poesia, pois a poesia é tudo menos preconceituosa. Não me revejo na ideia de que a palavra poética deva cortar com a representação da realidade, procurando, dessa maneira, transgredir; como não me revejo na ideia de que só a realidade pode ser transgressão. E não me revejo na ideia de que a representação da realidade é sinónimo de segurança, tranquilidade, certeza. Haverá algo mais inseguro, intranquilo e incerto que a realidade?

Neste momento (e assim espero) alguns dos presentes estão a questionar-se: afinal todos podem ser poetas? Eu respondo: sim. E pergunto: há alguma entidade reguladora que nos diga quem é ou quem não é poeta? Não nos podemos esquecer que seja qual for o resultado poético, ele será sempre a soma das várias diferenças. Será sempre um espaço aberto de possibilidades.

Creio na poesia, seja ela trágica, contemplativa ou metafísica. Seja ela subversiva, transgressora, contestatária ou ameaçadora da ordem estabelecida. O importante é a poesia. Pois só a poesia tem a capacidade de realmente ser. Pois só a poesia é.



*texto lido na III Bienal de Poesia de Silves, por manuel a domingos [clique].