07 abril, 2008

Homenagem a Urbano Tavares Rodrigues .Lição de Sapiência por Domingos Lobo

Domingos Lobo nasceu em 1945. Frequentou a Faculdade de Direito da UL, mas a mobilização
para a guerra colonial levou-o, com vantagem para o direito, a desistir.
Licenciado em Teatro e Animação Social e Comunitária. Mestrado em Estudos
Portugueses.
Foi jornalista, crítico de teatro e cinema. Fundou, em 1971, o GATO _ Grupo de
Acção Teatral de Oeiras, onde encenou, entre outros, Ibsen, Brecht, Ionesco,
Luís Francisco Rebello, Andrés Lizarraga, Prista Monteiro, etc. Prémio de
Melhor Encenador, no Festival de Teatro de Lisboa, em 1981.
Publicou: "Os Navios Negreiros Não Sobem o Cuando" (romance) - Vega; "Pés Nus
na Água Fria" (romance) - Vega; "As Máscaras Sobre o Fogo" (romance) - Vega:
"As Lágrimas dos Vivos" (contos) - Vega; "Voos de Pássaro Cego" (poesia) -
Vega; "As Mãos nos Labirintos" (poesia) Sete Caminhos; "Quando os Medos Ardem"
(teatro) - Garrido Editores; "Desconstrutor de Neblinas" (textos de leitura
crítica) - Cosmos.
Organizou as antologias: "Poetas Nossos - Poesia Popular do Ribatejo" - ed. CM
de Benavente; "Exaltação do Prazer - poesia portuguesa Erótica, Burlesca e
Satírica do Século XVIII"- Vega.
Está representado nas antologias: "Experiência de Liberdade" - ed. Diabril;
"Contoário" - Escritor; "Guerra Colonial - Realidade e Ficção", org. Rui de
Azevedo Teixeira - Ed. Notícias; "Guerra do Ultramar - Realidade e Ficção",
org. Rui de Azevedo Teixeira - Ed. Notícias.
Tem textos de crítica literária publicados em: "Escritor", "Revista Alentejo",
"Seara Nova", "Vértice", "Jornal do Brasil", "EntreLetras" e "Foro das Letras".
É presidente do Conselho Fiscal da APE.
Programador Cultural na Câmara Municipal de Benavente.
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1. para o Mário-Henrique Leiria com gin e joanetes

o passageiro mastiga um fado já coçado
a dentadura branca mordendo o croissant
o mordomo perneta bate pívias à parva
a marquesa com traça leva a baixela ao prego
o poeta divaga cavalga a bica e sai outro
soneto morno prá mesa do canto
o smoking austero ri nos bastidores
uns joanetes néscios fazem figas ao fisco
mais lhe valera varizes meretrizes e tempo
sempre rendia algum para a caixa do ócio
a paciência mais funda vai roçando virilhas
a solidão sobrevoa os crepes e o chá
a embaixatriz faz-se ao mar com astrolábio aziago
um marujo sueco encalhou na Betesga
o cadáver já fede e atrapalha o trânsito
o teatro chinês demora a digestão
o gin já vem grudado à prestação do verso
a bófia abalroou o medo a tia e a flóber
os velhos no Rossio tecem crioulo e surro
e mijam nas valetas aguardente de ossos e reumático
se os afectos demoram põe-se a conversa ao lume
morremos sem saber os números do acaso
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2. para o Mário Cezariny no café Palladium

um adeus sufocado um invertido roxo
o espaço guardado entre a fala e a fome
um manto de brocado para cobrir o desgosto
o intestino grosso de vigia ao delgado
o actor que soletra
a actriz que prediz
a gordura que encerra
um coração feliz
um polícia cinzento roído pela traça
os cantos da gaveta um cómodo Inverno
um urinol suspeito a braguilha evidente
o sujeito decente enreda-se no vício
um rodapé com barbas dançando fox-trots
os alicerces da dúvida
as certezas da dívida
uns seios derretendo ao som da Marselhesa
a Gioconda enfrasca-se no VáVá com o César Monteiro (cadáveres esquisitos mascando naftalina)
o mijo é abundante nesta revolta à perna
o esperma é cicuta para poetas castos
os filhos da dita duram neste Abril à míngua
se eu andasse à caça a manhosa era presa (fácil)
mas há marujos à bolina com o mastro a arder

no Palladium vendem-se caramelos e beijos interditos
há miúdos de cabidela para entreter o bócio
risos à socapa com bolinhos de fel
e bichas ao engate no espelho dos assombros
ao chá voltejam carpas.