16 julho, 2008

A FLOR DE MIL PÉTALAS

For da madressilva vista de cima / Foto Augusto Mota

Abres a porta à procura da luz -
Um galo canta no cimo da hora,
E tu estremeces e agitas as sombras,
E a luz foge para longe.
Abres a porta à procura do nada:
Um rato rói a alma por dentro,
E tu estremeces e agitas o vento -
E o nada foge para dentro de ti.
Abres-te para o verde cantante das searas:
Uma cobra rasteja por entre os caules,
E estremeces de novo,
E a água foge da tua sede -
É então que ao pé da luz,
A sombra se casa com a água,
E a seara cresce desmedidamente,
E os deuses riem dos gestos dos homens,
Confusos demais para abrirem caminhos -
Contudo, sem que eles o saibam,
Lá no fundo da sua alma,
Num recanto obscuro da mente,
Uma pequena flor começa a ganhar raiz -
Ela vai crescer para todos os lados
E atravessar o mundo e o próprio universo:
E homens e deuses e pássaros e pedras
E árvores e asas e campos e casas
E pontes e portas, senhores e servos,
E tudo o que mexe e o que fica imóvel,
E tudo o que fala e tudo o que cala
São pétalas infinitas dessa flor.

ANTÓNIO SIMÕES

Flor da madressilva vista de baixo / foto Augusto Mota

Poema inédito, escrito entre a vigília e o sonho, numa tarde mágica
dos campos de Louredo, Évora, 9 de Fevereiro de 2002.