19 maio, 2008

Olawelu lwangwalwangala p'ongalu

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Olawelu lwangwalwangala p’ongalu

A oleira pôs o coração na argila

NYANEKA


Esta mulher é minha e eu a amparo, oh povo, para poder vê-la a modelar o pó. Os seus dedos, oh povo, o ar é que os governa, assoprado pelo nó do coração quando o seu génio, oh povo, confunde a terra e a carne e a cor dos instrumentos, e a água vem render à mesma massa, oh povo, a terra e a carne que um tempo antigo modelou primeiro. É o vento que vem, é a terra que está, é a água que rende, é o fogo que coze, é a forma que nasce. Esta mulher, oh povo, habita o espaço para que foi parida, vigia o campo posto à sua guarda, ela é o corpo dado às gerações para que comunguem deste vento, oh povo, e da água que habitam, e da terra que as vive, e do fogo que afina, o povo, matéria rija, perdurável, povo, para dá-la às mãos que operam no comum, aos gestos mais correntes do verdor dos jovens, e do rigor dos homens, e da fecunda oscilação das fêmeas , e do rumor das vocações à solta, e dos ofícios seculares do vento, e da matriz das águas, e da massa do pó, oh povo, e do génio da carne que recorre à água que modela o pó que se entrega ao fogo que se rende ao vento e assegura a forma, e o destino da forma, e a vocação da forma e sua votação de novo ao pó, oh povo, e ao vento, oh povo, e à carne previsível, povo, que há-de de novo recorrer à água, oh povo, e ao vento e ao fogo em que perdure a geração de agora e o coração desta mulher, oh povo, que bebe o ar para invocar o vento e que recorre à água e que devolve ao fogo, oh povo, a forma dada no viver comum de que se faz o eterno que quer presente.
[...]


Ruy Duarte de Carvalho
excerto de ' hábito da terra'
in Lavra, Poesia reunida (1970-2000)
edições Cotovia