Disse num poema intitulado a metamorfose da voragem que - não há poesia -
e dizendo-o, duvidei do que disse. Que dualidade! se quiserem, que incongruência…
Não me quero alongar em mera retórica, pretendo somente a concisão de uma consciência poética ( a minha) num tema, num tempo tão explosivo quanto este : ‘ Poesia, Poeta e Poema’.
Se não há poesia, onde se projecta o poeta e o poema? Em que dimensão habita o sopro? Tocará ele, como afirma T.S Eliot, ‘a orla daqueles sentimentos que só a música pode expressar’?
Essa orla, essa fronteira, puramente sensível, puramente primeira, imaterial
amplia-se entre o antes e o depois como o crisol ardente da emoção criadora
__e concomitante roda no selim da infância(1) entre a natureza e o espírito devorador do significante e do significado de que se apropria, com a insígnia da voz.
E esse ‘ ser primitivo ‘, que é o poeta (como definiu Eugénio de Andrade) integra –se numa relação íntima, sucedâneo de um cosmos que se nos diz ‘num pequeno mundo cheio de amor.’ (2)
Talvez a poesia ande num pequeno mundo cheio de amor! e seja na noite, aquela ondulação que contagia o corpo e submerge o mar, que o mar ainda é a matéria de migrantes missivas
__e a poesia, o invisível.
Eu não vejo a poesia. Vislumbro um lugar “onde ninguém pode poisar a cabeça” (3), onde a palavra se faz coisa: átomo, grito, canto, grifo do silêncio… manifestação do mundo recriando o mundo, arremesso da pupila deslocando o azul do sol
__e o sortilégio do infinito que estanca o rosáceo sangue de um austro.
Eu não vejo a poesia. Vislumbro os levantes, a luz das densas falésias na oferenda das mãos que recolhem a cidade real, e perguntam:
__Onde vive a poesia?
Não sei!... Isto só ao verbo é permitido responder, ao tecido dos homens, ao que ‘apartado nele nos seja presente’ (4)
Eu admito, apenas, que viceja na alfaia de um ovo, na espiga de um lírio, ou na meda de um cântico ungido.
não sei, meus amigos, o que fazer da minha poesia.
o que fazer do que antecede, do que digo.
do que é excessivo, às vezes, como uma lâmpada alegre.
estou presa num poema.
estou prestes a explodir em espuma.
procuro um lugar…. os olhos, a parede…
vou pendurar a minha poesia nos olhos da parede.
vai escorrer pela cal húmida
vai desfazer as mãos redondas das lágrimas.
depois, quando não mais houver, sem o olhar,
sento-me num degrau qualquer de magnólias,
e acaricio-as como se ali nascesse o mar.**
mariagomes
III Bienal de Silves, abril de 2008
1) Ruy Duarte de Carvalho in Lavra , “poesia reunida’
2) Ruy Belo,p.81 cap- ‘ particular configuração da palavra arte, Na Senda da Poesia’
3)Ruy Belo, “ Na senda da Poesia, cap…., pg)
4) Léon L. de, op cit., p.399. in cap ‘-particular configuração da palavra arte, Na Senda da Poesia’, Ruy Belo
**’Maria Gomes, ‘o lugar da poesia’ ao josé a.gonçalves in memoriam
e a josé félix