28 junho, 2008

"ALENTEJO - Alem Tejo: O amor e a vida" - (clicar)


Alentejo
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---Pro Silvestre Raposo---
..............hoje
..................é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
..................o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
.................................Al Berto

1.
Presumo o teu útero já amadurecido
nas planícies da memória. E a flor
que estendes entre dedos e silêncio
é o coração que vibra a pureza rubra
o peso do sol na fímbria das escarpas.

2.
Estes os dias que se conjugam sísmicos
sob os abutres, nas cercaduras acúleas
os víveres. Todas as epístolas desnudas
das trovoadas sobre a terra agreste e rude
da cegueira, em busca da fúria de Deus.
Os líquidos definitivos ansiando agora
as oferendas dos charcos de água morta.

3.
Quando a planura se abre às paisagens
que o tacto persegue, a noite escorada
dos animais com raiva. Hortos vorazes
fechados na rotação fincada dos corpos,
searas loiras como oiro serpenteando
no vigor do solstício, o assombro vivo
ao longo desta terra de foles e aromas.

4.
Em redor da sede o cio brotando adulto
alucinado pela travessia, o choro branco
onde o olhar se estende mágoa seguindo
a saliva doce dos répteis sob o sol polido
para que repouse o bafo. O prodígio, uma
raiz de corpo que se recolhe e dilata fonte
por dentro, as víboras só ansiando ternura.

5.
Agora a embebida fluidez das estirpes
irrompe por infinitas bocas, as artérias
de sangue aprazível, o perfil mais puro
entre ébrias arribas. As crias explodem
o ventre da argila rubra, abrindo sulcos
celestes por onde as mulheres voltam
a reincidir através do odor dos espinhos.

6.
Mas sei que os frutos e as aves doiradas
se fincam no assombro, a imprevisível
quietude do mundo. À noite a labareda
regressa abrindo o dorso da terra exposta
varado pelas cegonhas nos campanários.
O silêncio tecendo as vozes das fêmeas
que se equilibram em suas próprias garras.

7.
Raras vezes os espigões radiais esculpem
a iniciação do pólen, a escora da morte
no eixo múltiplo da sílaba negra. Alentejo
te ungi, te unjo e unjo, despontando ileso
na purificação ateada das águas. E só falo
do horizonte rasgado no espaço primordial
e das madrugadas sazonadas sob as estacas.

8.
Cantas sobre a miríade da vozes elementares
as coisas mais simples que acordam o homem
a indomável frescura do corpo uivando hoje
nas sombras intemporais alastrando do piorno,
a tranquilidade poisando as cegonhas nas antas.

9.
A poeira das estações no ritmo feroz da terra
as últimas portas do tempo e do espaço aberto
em anémonas que lhes vão ceifando as veias,
a memória impoluta onde se cava a sede do cio
para que o sangue jorre entre todos os segredos.

10.
Um sobreiro rouba máscaras na fronteira da luz
a geometria nua das casas no futuro das manhãs
e cada grão de terra é um alfabeto denso de vida.
João Rasteiro
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Mar de fora - Ao romper da bela aurora
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