soletro a noite com cristais de vidro limpo, órbitas tensas , coágulos de luz vermelha, os verdadeiros testemunhos da criação inesperada;
as palavras são quase nada
um fôlego solto na garganta expirado deixa passar a marca do rosto de uma só palavra,
não me pergunta por nada
é uma raiz muda , a raiz mais solta
a que ganha o sopro do silêncio como uma planta arrancada,
onde andei com um barco do avesso, e te vi rindo com duas rimas de uma lápide, uma lágrima primeira a outra deixada por ninguém
entregue ao vento , ao sopro fónico do vento, as grandes tempestades dos mares , ao grande voo de pássaros desconhecidos rumo a uma corola de astros, um deles o sol , irmão das nuvens as mais brancas, as mais finas , as que voam sobre farrapos de seda e se vestem como as noivas dos mareantes sempre belas, cúmplices dos exaustos conhecimentos,
não sei eu nada dos meus olhos senão que o mundo empobreceu
as gruas, os guindastes , estradas de céu aberto, glórias parcas desastres ...
não sei nada do ruído que as manhãs trazem nas algibeiras presas
às paredes, a carne solta dos laços na vida rendida na mais profunda ferida que há nuns braços
mas que sei eu , quem de uma janela estende os braços
que sei eu do ar senão linha forte e limpa de um sopro
de um pássaro nocturno que se deixa tolher porque é de luz
de néon e de passos , de sentinelas desconhecidas que prometem sobrevidas agenciando seguros e muitos frutos adiante
nas estações desconhecidas,
nos ventos distantes dos engaços
que sei eu, se a noite traz uma sílaba, e essa seja muda irmã comum
do silêncio, morra estenda os braços , mas só de vida morra só de vida ...
não outro sinal, não há outro sol ou outra lua grande que se sinta nessa sílaba, e espere a salvação , subleve diga sim ao não , desgarre
com as mãos presa ao pão, a única sílaba existente feita de lava, lenha, e água numas mãos puras do linho do fogo e de uma bênção sempre presente, ampliando o grande silêncio da boca audível marca de água.
procuro por um som miúdo uma só letra num muro
que não seja cal, seja já o fogo branco que sai dela,
as centelhas de labareda, um sinal de quem passou
deitou os olhos à lava branca e os prendeu nesse instante,
os colheu depois nas mãos já sem a cor oferecida por paisagens
tão leves, distantes todo o grito fundado nos dias e pausado nos anos
e só por isso recolheu ao mar fundo, ao verde soturno das planícies
e viu junto ao muro a estrela que dá cor à rosa , a tornou transbordante , pétalas de pão crescentes da cor que há nele
a cal, aquele sinal de muro, aquela estrela da cor da rosa que beija
o dia, abre as manhãs de chuva opulenta , cresce com os pássaros sem que eles o saibam e fujam, apenas porque as crianças nas verdes alegrias penduram-se no mundo nas horas sobradas dos recreios ,
esperam uns segundos pela alcateia sonora das campainhas
se entregam à disciplinas muito seguras e mudas, pensando
o tempo das mais próximas brincadeiras, a desafiar as horas e a rosa que é o pão, o lume que é o mais profundo gume que transportam nas mãos cheias sem que arda, queime seja lava e fumo num só segundo;
vão felizes pela beira das ruas, contam livres a liberdade dos seus mundos em que tudo se fez e foi mundo,
não há arco que sobeje no horizonte não há nuvem que poupem à escrita ao desenho inventado de suas mãos, tudo é inquieto tudo aparece ou se esquece , se é vida é vaivém de gente conhecida ou familiar que lhes fala de um futuro maduro como uma rosa ou flor comum voando no ar que nunca poderão apanhar nem brincar
porque o mundo é exacto e mudo
José Ribeiro Marto