30 junho, 2008

Hoje é domingo. Há três noites que invento fantasmas.

Era um poema aquele jeito de andar, aquela robustez de porte, aquele esgar desatento que por vezes o dominava. Não sabia de onde vinha nem o que trazia. Silenciosamente perscrutava a sua figura.
Quando a noite nascia as estrelas inundavam os pedaços escuros do céu que pairava sobre nós. E o silêncio que caía, quando vozes fortuitas se abafavam era nada mais que o silêncio que eu vivia enquanto me aninhava no colo do jardim. Dobrada sobre mim própria, os pêlos dos meus braços eriçavam-se e eu, tremendo, fitava do outro lado da praça aquela forma de ser, aquele parecer intrigante de ave nocturna.
Era quase como um encontro entre nós, apesar de não proferirmos palavras nem elaborarmos gestos. Uma peculiar forma de entendimento.
Havia três dias que me sentava naquele banco de automóvel, numa meditação introspectiva, como quem inventava desculpas para não regressar ao isolamento de quatro paredes e um cesto de frutas como centro de mesa. Como quem não queria regressar ao frio dos lençóis da cama impecavelmente feita.
Havia três dias que, na outra margem de um país estreito por onde a límpida água corria fugazmente por entre rios de granito, ele existia naquele espaço e tempo e interferia no universo. Tudo começara tão inocentemente como o despertar da Primavera. Uma presença casual que se transformara num entendimento mútuo, numa sublime troca de olhares.
Havia três dias que o estudava. As suas reacções a pequenos ruídos, vislumbres, sombras, aromas. Estudava os seus sentidos, adivinhava as suas feições, e do nada construía-o. Construía algo mais, sempre algo mais. Por vezes, algo demasiado.
Ele também delineava na minha presença ténue algo mais do que uma mera imagem. Desenhávamo-nos. Com lápis de cera e marcadores para os contornos.
Hoje
é Domingo.
Há três noites que invento fantasmas.

Graça Magalhães, Junho 2008.