07 junho, 2008

Revisitando o lançamento de "As Vindimas da Noite.

Realizou-se, no passado dia 11 de Maio, no Salão Nobre do Museu de Arqueologia, em Belém, Lisboa, o lançamento do novo livro de poesia de Maria do Sameiro Barroso. Após a saudação de boas-vindas, feita pelo Dr. Luís Raposo, Director do Museu Nacional de Arqueologia e da introdução do Editor, João Artur Pinto, a primeira parte do evento foi preenchida por música de compositores ibéricos, brilhantemente executada por elementos da Academia José Atalaya, cujo programa reproduzimos. Seguiu-se a apresentação do livro Método para Guitarra de Fernando Sor, em tradução para castelhano de Eduardo Baranzano e Ricardo Barceló.
Na segunda parte, foi apresentado o livro de poesia "As Vindimas da Noite" de Maria do Sameiro Barroso. Este é o terceiro livro editado por esta autora sob a chancela da Editora Labirinto, que integra o Conselho Editorial da Editora desde 2006. A apresentar a obra esteve Luís Filipe Pereira, autor do posfácio. A leitura dos poemas esteve a cargo da actriz Isabel Wolmar. A sessão foi encerrada pela autora que abordou informalmente as suas relações com o mundo, a vida, os seus leitores e o universo da sua poesia.


1. Na fotografia, podemos ver, da esquerda para a direita, Isabel Wolmar, João Artur Pinto, Presidente da Editora, Luís Filipe Pereira e Maria do Sameiro Barroso.

2. De novo, da esquerda para a direita - a escritora Seomara da Veiga Ferreira, o editor João Artur Pinto, a autora/poeta Maria do Sameiro Barroso e o escritor Victor Oliveira Mateus.

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AS VINDIMAS DA NOITE


As ancas, os ombros, as falésias flutuariam,
na noite onde se despenham as ravinas,
o corpo insidioso arrastando o mar, a boca,
os joelhos sonâmbulos,
os barcos que se cobrem de limos, grãos de areia,
esquecimento.

As harpas do horizonte ergueram-se já,
como árvores frondosas.
Nas colmeias de sangue, fervilha a rosa,
a corola verde, o tumultuoso nome,
o timbre infinito.

As ancas, os ombros, as falésias flutuariam,
na noite,
no vazio errante de um coração silábico
que se abre, suspenso,
por dentro das estrelas, à deriva.

No vazio leve das miragens, esconde-se,
nas vindimas da noite,
o corpo dormente da eternidade que rebenta,
silenciosa,
nos punhais ébrios de salsa, cinza,
aspergindo, na névoa minuciosa,
o ruir das telhas, entre ervas, dedos,

acariciados lentamente.

*

O OLHAR DA DISTÂNCIA


( Para Fiama Hasse Pais Brandão
e Maria Teresa Dias Furtado
)


As barcas partem sempre novas, renovadas.
No fôlego que habitou a noite,
a errância expandiu-se, talvez se expanda ainda,
sob as ondas que gritam mais alto
o sussurrar do vento.

Na sumária distância, a retina regista pausas, letras,
frutos e raízes que a serenidade transporta,
porque a amizade bebe as suas águas,
no silêncio sagrado,
bálsamo luminoso que mitiga a dor,
em seus lagos perenes, em seus laços incólumes.

Sobre relógios aquáticos, flutua um rosto,
uma mulher, o seu nome é fábula,
o seu olhar, talhado nos versos da natureza,
paira nas florestas,
onde os pássaros cantam ainda a noite antiga.

No labor oculto, o destino tece, destece,
sob o olhar que escurece,
as recordações recolhem a água, o rosto,
o mundo, o seu sorriso,
e o olhar de Medeia aparece, impresso

no coração das folhas rubras.

Maria do Sameiro Barroso, Maio de 2008.