Na segunda parte, foi apresentado o livro de poesia "As Vindimas da Noite" de Maria do Sameiro Barroso. Este é o terceiro livro editado por esta autora sob a chancela da Editora Labirinto, que integra o Conselho Editorial da Editora desde 2006. A apresentar a obra esteve Luís Filipe Pereira, autor do posfácio. A leitura dos poemas esteve a cargo da actriz Isabel Wolmar. A sessão foi encerrada pela autora que abordou informalmente as suas relações com o mundo, a vida, os seus leitores e o universo da sua poesia.
2. De novo, da esquerda para a direita - a escritora Seomara da Veiga Ferreira, o editor João Artur Pinto, a autora/poeta Maria do Sameiro Barroso e o escritor Victor Oliveira Mateus.
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AS VINDIMAS DA NOITE
As ancas, os ombros, as falésias flutuariam,
na noite onde se despenham as ravinas,
o corpo insidioso arrastando o mar, a boca,
os joelhos sonâmbulos,
os barcos que se cobrem de limos, grãos de areia,
esquecimento.
As harpas do horizonte ergueram-se já,
como árvores frondosas.
Nas colmeias de sangue, fervilha a rosa,
a corola verde, o tumultuoso nome,
o timbre infinito.
As ancas, os ombros, as falésias flutuariam,
na noite,
no vazio errante de um coração silábico
que se abre, suspenso,
por dentro das estrelas, à deriva.
No vazio leve das miragens, esconde-se,
nas vindimas da noite,
o corpo dormente da eternidade que rebenta,
silenciosa,
nos punhais ébrios de salsa, cinza,
aspergindo, na névoa minuciosa,
o ruir das telhas, entre ervas, dedos,
acariciados lentamente.
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O OLHAR DA DISTÂNCIA
( Para Fiama Hasse Pais Brandão
e Maria Teresa Dias Furtado )
As barcas partem sempre novas, renovadas.
No fôlego que habitou a noite,
a errância expandiu-se, talvez se expanda ainda,
sob as ondas que gritam mais alto
o sussurrar do vento.
Na sumária distância, a retina regista pausas, letras,
frutos e raízes que a serenidade transporta,
porque a amizade bebe as suas águas,
no silêncio sagrado,
bálsamo luminoso que mitiga a dor,
em seus lagos perenes, em seus laços incólumes.
Sobre relógios aquáticos, flutua um rosto,
uma mulher, o seu nome é fábula,
o seu olhar, talhado nos versos da natureza,
paira nas florestas,
onde os pássaros cantam ainda a noite antiga.
No labor oculto, o destino tece, destece,
sob o olhar que escurece,
as recordações recolhem a água, o rosto,
o mundo, o seu sorriso,
e o olhar de Medeia aparece, impresso
no coração das folhas rubras.